Eu tenho sotaque - e agora?

Por Luciana Pirk 03/10/2022
“Sotaque (s.m.)
é aquilo que na sua boca vira poesia quando você fala. é dar roupa nova pras palavras velhas. é quando o seu 'erre' mais puxado me invade os ouvidos e faz o coração se encantar. é me deixar bobo falando 'porta', 'verde' e 'sorte'. é quando eu brinco imitando o seu jeitinho de falar.
é quando a cultura se expressa pela sua voz.”

João Doederlein em “O Livro dos Ressignificados”



 Sotaque - "a cultura expressa pela voz"


Entre estudantes de idioma e falantes de línguas estrangeiras os sentimentos de insegurança, insatisfação e vergonha com o próprio sotaque são comuns. Acredita-se que para falar bem um idioma é necessário falar como um nativo, o que implica uma total aniquilação de qualquer traço de sotaque da fala. Porém, essa é uma crença que é aplicada àquele que a tem, com pouquíssima flexibilidade - se não inexistente. Já ao outro, àquele a quem se escuta, ao “gringo”, o espaço para a existência do sotaque é imenso e sua maneira peculiar de falar é até mesmo, em alguns casos, celebrada. Ou seja, ao outro é “permitido” (e até bonito e fofo) trazer sua maneira especial de falar, mas não à própria pessoa, o que gera limitação no processo de aquisição de fluência no idioma-alvo. Como pensar e o que fazer, então, para que possamos nos libertar dessa crença limitante?

Digo “possamos”, porque eu, Luciana, como falante proficiente de Inglês (e professora da língua há 15 anos) e estudante de Espanhol, lido também com esses sentimentos acima mencionados. Além de lidar com isso de forma pessoal, durante a minha caminhada como estudante e professora, noto que a insegurança em relação à forma de falar, independentemente do nível de conhecimento e domínio da língua , está presente em praticamente 99,9999999% das pessoas com quem tive a oportunidade de trocar experiências em ou sobre outros idiomas.

Em contra-partida, como consumidora de conteúdos de redes e mídias sociais, percebo que em outros países e em outras culturas essa fixação com o sotaque não é tão forte como é para nós brasileiros, especialmente. Vejo palestras da TED Talks onde pessoas de diversas nacionalidades falam em Inglês, em público, para tantas pessoas e se comunicam de maneira efetiva, mesmo com o sotaque carregado. Na maioria das vezes, a estrutura gramatical é muito boa e até impecável, em alguns casos; o vocabulário é extenso e sofisticado e há confiança e segurança na fala. Há, de fato, eloquência. A pessoa é totalmente compreendida, mesmo que, parafraseando João Doederlein, “sua cultura seja expressa pela voz”. 

Nós, expectadores ou ouvintes, sabemos exatamente qual o país de origem da pessoa que fala. Nós sabemos se ela é indiana, francesa, chinesa, japonesa, etc. O sotaque presente em sua fala evidencia sua nacionalidade, porém não a impede de se comunicar com clareza e de se fazer entendida por aqueles que são capazes de compreender o idioma falado.

Além de em palestras da TED, podemos encontrar exemplos de falantes proficientes e fluentes de idiomas estrangeiros em diversas outras fontes, como por exemplo, em filmes, séries, TV, canais do YouTube, podcasts, etc. Comumente escuto pessoas no YouTube e em podcasts que são de outros países e falam uma língua estrangeira. Eu, em particular, consumo mais conteúdo em Inglês e noto que essas pessoas, que estão em plataformas mais informais, nem sempre têm domínio completo do idioma, cometendo alguns erros de gramática, como em conjungação de verbos e até mesmo de pronúncia. Muitas vezes elas deixam claro que têm dúvidas sobre o que acabaram de falar e algumas até pedem que as ajudem nos comentários. (E isso eu já até vi nativos fazendo - tendo dúvidas, principalmente, em relação à pronúncia de palavras.) Porém, o que eu acho incrível, é que elas não se limitam e não se impedem de continuar criando seu conteúdo e compartilhando sua mensagem - apesar do sotaque e do não-domínio da língua, elas “dão a cara ao tapa” e são bem sucedidas.

Posso citar também como exemplo alguns artistas famosos que têm orgulho de seus sotaques e não trabalham em eliminá-los, como Sofía Vergara, Shakira, Salma Hayek, Heidi Klum, Ricky Martin, Penélope Cruz e até mesmo nossos queridos Rodrigo Santoro e Wagner Moura. Todos eles estão expostos ao escrutínio de milhares e milhares de pessoas, que poderiam julgá-los por suas formas peculiares de falar (como nós pensamos muitas vezes que somos julgados), porém isso não os impede de continuar sua caminhada e usar o idioma estrangeiro como aliado para o sucesso. Sofía Vergara, por exemplo, usou seu sotaque de maneira chave na série “Modern Family”, onde sua nacionalidade Colombiana e o fato de o Inglês ser sua segunda língua são muito importantes para sua personagem Gloria.

Outros exemplos que posso citar vêm do nosso grupo de alunos, que trabalham em multinacionais e têm contato frequente com falantes de diversas partes do mundo. Muitos trabalham com chineses e indianos de maneira direta, além de falantes latinos e outras nacionalidades. O que nossos alunos relatam é que eles não apresentam nenhum tipo de timidez ou insegurança na hora da fala, falando com confiança e muita rapidez. Nem sempre é fácil entendê-los 100% do tempo e quando há dúvidas, há também espaço para tirá-las. Dessa forma, a mensagem é compartilhada e recebida.

De mais a mais, nós como brasileiros não convivemos apenas com os sotaques de gringos, mas também com os sotaques internos do nosso imenso país. Temos maneiras especiais de falar espalhadas por aqui, como os sotaques sulista, carioca, nordestino, paulista, entre tantos outros. E não somente os toleramos, como gostamos deles, não é mesmo? Com algumas exceções que algumas pessoas podem fazer, por questões pessoais e particulares, nós normalmente achamos ao menos fofo a maneira de falar do outro.

E se fazemos isso com o outro, por que não com nós mesmos? Minha perspectiva é de que devemos estender à nós mesmos a mesma cortesia e tolerância que estendemos aos outros. Ser tão flexível conosco como somos com os outros. E entender que assim como apreciamos o sotaque alheio, o nosso também pode e é apreciado. E ele não faz de nós menos capazes ou fluentes, tão pouco, assim como não torna o outro menos habilidoso em expressar suas ideias. Acredito, entretanto, que deva existir sim um esforço em aprender a pronunciar as palavras corretamente, mas que isso pode ser feito mesmo que o sotaque esteja presente.

Portanto, nos liberemos da crença de que a fala fluente e proficiente em um idioma-alvo é feita apenas por aqueles que são capazes de falar exatamente como um nativo e permitamos que a nossa cultura se expresse através do nosso jeitinho de falar. Essa abordagem nos permitirá dar passos mais largos no idioma-alvo através da nossa segurança interna de que está tudo bem sim ter um sotaque e que ele pode até encantar.

 



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